sábado, 28 de abril de 2012

Domestica(dos)

Mamãe nunca teve meio termo. Lasca-me um tapa na fuça, e logo me põe no colo beijando minha testa desculpando-se com voz mais infantil que a minha.

Até seu café não tem meio termo. Côa uma tinta capaz de pintar asfalto, e um desenxabido mijo de padre. Eu misturo, se ficar forte demais ou fraco de menos, talvez tenha a manhã seguinte para tentar de novo.
O café vem com meu mexido preferido: ovo frito, com banana e farinha de mandioca; como de olhos fechados, só abro a boca.
E vamos nós pra casa da patroa.
Quando estou aqui transpiro alecrim. Móveis novos e bonitos, paredes limpas e espaço para respirar. Os cachorros são mais limpos que os nossos, mas não sabem abanar o rabo. Não gosto deles.
Vou ao banheiro e até me esqueço de que o xixi parou de cair, os azulejos me encantam. Em cada quadrado branco, uma flor, em cada flor uma cor; azul, amarela e laranja, depois repete e começa de novo, azul, amarela e laranja, azul, amarela e laranja...
Pensei em perguntar para mamãe quem tinha pisado nas flores do nosso banheiro, mas desisti, ela não gostava de perguntas, principalmente das minhas.
Mas eu gosto mesmo é da janela da sala. Subo no sofá, desatarraxo o trinco e repouso no parapeito. Olho a cidade pequenininha, as pessoas se esbarrando lá embaixo e o som dos carros e a gritaria das bocas rastejando tentando alcançar meus ouvidos, e eu levinha, levinha.
Seria legal ter uma janela dessa, em que a gente se sente grande...
Hoje o dia passou rápido. Desço de mãos dadas com mamãe pela caixa-bonita-com-espelho que em segundos nos coloca de novo no chão.
Caminhando para o ponto de ônibus, vejo zumbis com roupas velhas, cabelos espetados e olhos apagados, gente bem parecida comigo e com a minha mãe. A gente existe mal.
Mas eu estou bem, mesmo voltando para as goteiras, o mofo e para meu colchão magro estou com o livro do Pedrinho loirinho, acho que ele não vai ligar...

terça-feira, 17 de abril de 2012

Cidadela

Essa cidade não tem idade
Infância, adolescência ou velhice
Só de guarda-chuva a mesmice

Essa cidade não tem estação
Não tem primavera,
não tem outono, nem verão

Essa cidade não tem calor
Sexo frio, sem meia luz
nem cobertor

Essa cidade não tem pulsão.
Miserável dormindo na cama,
e miserável que dorme no chão

Essa cidade não tem conflito,
só quem sente está aflito

quinta-feira, 12 de abril de 2012

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Cale-se

Espere a flor crescer
para mostrá-la aos outros,
na promessa de vida ela
poderá morrer e ninguém
terá nada pra ver

domingo, 1 de abril de 2012

Alma pequenina

Perto, nunca saberia de você,
mas longe esse nunca
é mais estrada ainda...

Imagino o que pensa o que faz
enquanto eu, não penso
e nada faço

A insônia me beija
e os calafrios beliscam
minha alma pequenina

Um dia vou apertar a
saudade para que ela vá embora
e eu possa ficar.