segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Noite derradeira

Aquele Deus insólito
De corpo esquálido
Dominou a rosa
Que não era de ninguém

A pétala formosa
Amassada e desejada
Desfigurou-se

Nas mãos daquele homem
Jorrava seu sumo
Manchando-o
De ternura e prazer

Deslizando pelas ruas sujas
O homem se foi
Rosa, já não era mais
Transformou-se em mulher

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Marias

Maria ria, de tão má a vida
era que mais ria.
Ria, o porquê da sangria
da falta de água na pia

O choro engolia
e nada se comia
o filho partia, partia Maria

O deserto se via
o bicho grunhia, e logo morria
Maria só pedia, pedia, pedia
nem deus, nem homem atendia

O destino a aturdia
logo se via
ali a vida sucumbiria

Nada adiantaria
acabaria com a agonia 
para longe caminharia
marcando os pés magros na rocha fria

Com cansaço ela subia
sua vida entregaria
sincera, Maria ria

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Mágico

Encantei-me por um mágico.
Sorriso malicioso
e mão macia
que há tempos me queria
na sua cama
que nunca está vazia...

Se vazia nao está,
quando nao estou lá
alguém está no meu lugar,
feliz a desfrutar
do mágico esperto 
sempre a enfeitiçar
mas nunca à enganar

Adoro quando lá estou 
a cantarolar
e a bebericar o vinho
nativo de sua boca,
com gosto especial
tornando tudo surreal

Outras lambuzam-se
do seu olhar
de suas palavras
teu jeito de falar,
irrelevância,
tenho o meu lugar

Nao sofro, 
nao alegro.
Apenas espero
a vez de me enfeitiçar
para o meu corpo
lembrar...


Angelina Miranda

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Mórbidos


Nenhum sofrimento é tão dilacerante
Quanto o do próximo sendo massacrado
Diante dos nossos olhos

Ideais construídos com tanta luta e sacrifício
No decorrer daquelas vidas
Não são compreendidos por nós

Nossas vidas custaram uma chuva
De sangue, sofrimento e revolta
Que hoje é ligeiramente esquecido

Extinto de nossas memórias
Que são cobertas por acontecimentos
Intensos de individualidade e conseqüentemente
Sem nenhum valor póstumo


Angelina Miranda
17/04/07

Nascente da evolução

Lugar de lutas e historias
templo de glória.
Almas esquecidas,
mas aqui encontram vitória.

Casa acolhedora, onde há respeito
sorriso nos lábios
e esperança no peito.

Casa de adoração
cujas palavras
nunca são ditas em vão.
Vejo nos olhos do irmão
versos que saem do coração.

Vejo a diversidade então
branco, ruiva, mulata e negão.
Tendo a mesma ambição
nada somos sem educação

Explorados de dia
desabafam a noite
relatam a agonia
chega de açoite.

No bar do Zé Batidão
não existe solidão.
Saem versos bonitos
Baseados na opressão.

Vamos sempre questionar
e a luta continuar,
não apenas reclamar
levantar e batalhar.

Encontrei o meu lugar
aqui quero ficar,
as quartas me emocionar
E ver a comunidade mudar.

Obs. Minha homenagem à Cooperifa.

Os trabalha(dores)

Vendados e distraídos
Na grande lata humana
Não escolhem, são oprimidos
Nesta política soberana.

Atrelados a seres eletrônicos
Corpos respondem mecanicamente
Meios de vida econômicos
Decorrência deste sistema displicente.

Na próxima esquina entregam o suor
É a rotina do espetáculo do capital
A corte ordena, assim é melhor
Brasileiros obedientes, povo excepcional.

Reflexões dos balões


Hoje nenhum ser buarque 
Apazigua o silência de minh'alma
Hoje nao sinto chegar a tarde
Pensamentos, planos. Calma.

Nenhum livro me algema
Cachorro algum me faz feliz
O mundo grita: "tema!"
Como seria a alegria duma meretriz?

De que vale pensar?
De que vale cantarolar?
artesanar? poetar?
De que vale escrever?
Nada vale saber! 
Vale ter!


Angelina Miranda

Elas

Ela quer te entrelaçar
Eu, conversar.
Ela quer ter amordaçar
E fazer de ti o amor só dela
Eu, apenas admirar.
Suas palavras singelas

Ela quer que você pare de beber
E que acredite em Deus.
Eu, quero embriagar-me contigo ate esquecer...
E agradeço a Deus por quase te ter.

Ela quer que você a proteja
E a faça acreditar
Eu quero domar-te
E beijar-te até cansar

Impossível é separar ela de mim
Pois somos o demônio e o querubim
Se ficares com ela então me aceite assim
Pois ela e eu jamais no separaremos
Nem naquilo que chamam de fim...

Sofia

Quando fiz de tudo poesia
Pra dizer o que eu sentia
Fui mostrar
Ela não me ouvia
E mesmo
Insistindo todo dia
Era inútil
Não me ouvia
Sofia! Sofia!
Não ouvia
E não havia 
O que fizesse ela atender
Sempre dispersiva
Sempre muito ativa
Sofia é do tipo que não pára
Não espera e mal respira
Imagine se ela vai ouvir poesia!
Sofia, escuta essa, vai
É pequena
É um haicai

Por fim
Noite de lua cheia
Prometeu que me ouviria
Bem mais tarde às onze e meia
Nunca senti tanta alegria
Mas cheguei
Ela já dormia
Sofia! Sofia!
Não ouvia
E não havia
O que fizesse ela acordar
Sofia quando dorme
Sente um prazer enorme
Fui saindo triste abatido
Tipo tudo está perdido
Imagine agora a chance que me resta
Pra pegá-la acordada
Só encontrando numa festa

Então, liguei de novo pra Sofia
Confirmando o mesmo horário
Mas numa danceteria
A casa de tão cheia
Já fervia
E ela dançando 
Nem me via
Sofia! Sofia!
Não ouvia
E não havia
O que fizesse ela parar
Sofia quando dança
Pode perder a esperança
Mas eu tinha que tentar:

Sofia
Estou aqui esperando
Pra mostrar pra você
Aquela poesia, aquela, lembra?
Que eu te lia, te lia, te lia,
E você não ouvia, não ouvia, não ouvia
Hoje é o dia
Vem ouvir vai
Ela é pequeninha
Parece um haicai
E foi feita especialmente
Sofia, eu estou falando com você
Pára um pouco
Vamos lá fora
Eu leio e vou embora
Ou então aqui mesmo
Te leio no ouvido
Se você não entender
A gente soletra, interpreta
Etc, etc, etc...
Nada, nada, nada, só pulava
Não ouvia uma palavra

Aí já alguma coisa me dizia
Que do jeito que ia indo
Ela nunca me ouviria
Essa era a verdade crua e fria
Que no meu peito doía
Sofria, sofria!
E foi sofrendo
Que eu cheguei
Nessa agonia de hoje em dia
Fico aqui pensando
Onde é que estou errando
Será
Que é o conceito de poesia
Ou é defeito da Sofia?
Ainda vou fazer novos haicais
Reduzindo um pouco mais
Todos muito especiais
Sofia vai gostar demais!


Luiz Tatit

Tantin

A pia pinga
a fome aperta
penso:"Ai que fadiga"
Tomara ser a pobreza incerta

Hoje pão com ovo
amanha pão com nada,
depois começa de novo
peleja na estrada.

É igual no mercado, 
é igual no bar,
contando as cervejas 
que eu posso pagar.

Já parei pra pensar
com o que eu posso pagar
Com poesia e talvez ate cantar,
mas se eu nao posso pagar em dinheiro
nem me deixam falar

Porque aqui nesse lugar
só vale o que voce tem
então se eu nao tenho nada
sinal que não sou ninguém

Visita-me

Certas madrugadas solitárias e etílicas 
Quando a fumaça do cigarro 
Se torna densa demais
Abro as janelas de minha casa 
e abasteço-me de vento frio e fresco.

É nessa hora que entram os anjos vagabundos
bebem comigo, mexem nos meus armários, quebram minhas louças...
alguns puxam meus cabelos e fazem-me cócegas
outros afagam meu rosto, onde a barba cresce difícil e dura.

Depois rodeiam-me, cantam e compõe
não sei como, máscaras humanas. 
Fico um pouco assustado, 
mas esses emissários de Deus, 
percebendo minha palidez, amenizam meu medo.

Fazendo séries de perguntas, de indiscrições rodeios... 
antes de dizerem o que querem afinal.
Perguntam-me pelos meus sofrimentos de amor, 
pelo meu pai e pelos meus filhos.

E por mais que conheçam 
a condição miserável do homem
chego às vezes a desconfiar 
que eles me invejam...

Augusto Cerqueira

Corpo Inerte

Emenda de feriado
céu nublado
bairro calado,
coisa boa?
só risada à toa.

O corpo cansado
embala acordado
com um livro emprestado
de um homem qualquer.

As vezes não sou ninguém
não tenho companhia
pouca família
e nenhum antigo vintém.

O carinho mal feito
lembra o vago beijo
a minha distância do dinheiro
canso de lutar 
deito na varanda
e espero o dia da mudança chegar

Cleitons e Severinos

Gente que chora no sol
gente que chora na chuva,
perdem as casas,

mas continuam na labuta


Marmitas amargas

olhos ressequidos

músculos fracos

vultos esquecidos


Em favelas e sertões

nunca são lembrados

de vez em quando abraçados

por vermes engravatados


São comoventes em

telas de cinema, a revolta

dura uma hora e meia

falam muito, mas pouco se semeia


A marca no pé não colocam

a soja plantada não comem,

sofrem pela diferença

sofrem pela fome


Produzindo para elite

estão cansados

lágrimas em vão

amanhã serão massacrados


Lutadores morreram,

mas deixaram o sonho

acordado, quando o povo 

será lembrado?